Vidas Negras Importam - Informações úteis na luta antirracista

Diego Souza Carlos
8 min readJun 17, 2020

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Por onde começar?

Esse texto não é nenhum manual ou cartilha oficial sobre a luta antirracista, é um compilado básico e inicial de informações sobre o movimento e o momento que vivemos hoje

John Boyega em um protesto / Daniel Leal-Olivas/AFP

O antirracismo foi um dos temas mais debatidos nas últimas semanas após o assassinato gravado, fotografado e registrado em toda a internet do então segurança George Floyd. O termo, que até então era desconhecido para muitos, se resume em um movimento que repudia qualquer atitude racista na sociedade. Uma ideia colocada em prática através de diversas ações propostas pela comunidade negra e aliados para dar fim a um sistema social que tem o racismo como parte da estrutura, em que esse tipo de preconceito se torna intrínseco a mecanismos e dispositivos de uma nação.

Ver discursos preconceituosos em 2020 infelizmente é algo cotidiano. Isso se deve a diversos fatores históricos. Não apenas quando se trata do racismo, mas a homofobia, a transfobia, o machismo e muitos outros comportamentos intolerantes se baseiam em algo passado, a uma cultura determinada há séculos que determina que toda pessoa fora da estética ou postura do homem branco é inferior. Isso, como já dito em outros artigos, é fruto também de uma repetição discursiva de filmes, séries, livros e muitas obras culturais e produtos midiáticos.

Mesmo que esteja atrelado ao passado, a não interrupção dessas práticas hoje também é algo que deve ser notado. O movimento antirracista existe não apenas para denunciar atos que giram em torno do racismo, mas também para reconstruir modos de se pensar, agir e viver na sociedade. Essa manutenção vai de uma conversa na mesa de bar (quando elas voltarem a existir) a grandes atos (pacíficos ou não) pela vida de pessoas negras. Está contida em denúncia a contas de influenciadores e também a não omissão nas piadas de escritório. Sobretudo, está na inquietação da falta de negros a sua volta e na mobilização pela vida dessas pessoas.

Além disso, pensando em estrutura a longo prazo, é identificar traços de uma deturpação nos meios iniciais e básicos da vida em sociedade como a educação e construir uma comunicação baseada em um jornalismo de emancipação, conceito explorado pelo professor Dennis de Oliveira no livro homônimo, que tem como um dos seus pilares a construção de uma comunicação em coletividade que dá espaço para que todas as vivências sejam abordadas a partir de diversas visões de mundo.

Em tempos de pandemia muitos se perguntam como podem ajudar esse movimento. Há quem more com familiares e prefira não se arriscar a ser contaminado pelo novo coronavírus em uma manifestação. Há quem saiba que essa luta física de corpo presente é parte essencial na pressão social para mudanças. No final trata-se de uma escolha que deve acarretar uma série de consequências. Para refletir sobre o assunto, o cantor Emicida fez um reflexão recente sobre o dilema entre colocar seu corpo pra jogo e dar a vida por uma causa que luta pela sobrevivência desse corpo. Nessa questão, toda e qualquer movimentação que seja proativa e efetiva é válida.

O assassinato de George Floyd

Mural em homenagem a George Floyd / AFP

Em 29 de maio um então segurança negro, George Floyd, foi assassinado brutalmente por policiais nos EUA, em Minneapolis. A abordagem foi acompanhada de civis que gravaram a cena. Logo as imagens viralizaram na internet criando uma grandiosa onda antirracista liderada pelos movimentos negros.

Os protestos mobilizaram todo o mundo não apenas pelo fim da opressão policial, mas sobretudo pelo fim da naturalização do racismo, pelo fim do apagamento de inúmeras vidas tiradas violentamente por ideologias e culturas de ódio.

Derek Chauvin, o ex-policial responsável pela morte de George, está preso e responde a acusação de homicídio doloso, quando há intensão de matar. Em quase três semanas de protestos, os primeiros resultados dessa movimentação já estão entre nós. Um deles é uma lei assinada por Andrew Cuomo, governador de Nova York que torna ilegal o uso de técnicas de estrangulamento. Além disso, solicitou que seja feita uma reestruturação dos mais de 500 departamentos policiais do estado durante os próximos nove meses com a suspensão das verbas estaduais para quem não acatar a decisão.

A luta BR

Os acontecimentos dos Estados Unidos agitaram o Brasil que, além de sofrer com uma cultura racista enraizada pela sua própria história escravocrata, também vive um dos seus piores momentos políticos desde o fim da ditadura. Em 31 de maio, 7 e 14 de junho muitos brasileiros se reuniram em todo o país para atos pró-democracia, antifascistas e antirracistas.

Dentre as inúmeras bandeiras levantadas estão os questionamentos para o governo Bolsonaro, que além de flertar com o fascismo em suas inúmeras atitudes, não tem tido uma administração correta durante a pandemia, indo contra as recomendações básicas da OMS (Organização Mundial da Saúde), sendo chacota internacional e, como miséria pouca é bobagem, enfrenta uma série de gravíssimas acusações sobre corrupção. A expressão de que “você não é feliz, só é mal informado” nunca fez tanto sentido.

Hashtags e quadros negros

Em dois de junho aconteceu o BlackOutTuesday com o intuito de prestar solidariedade pela morte de George, assim como conscientizar o maior número de pessoas pela causa antirracista. Programas de rádio, serviços de streaming e diversas marcas aderiram ao movimento mudando suas programações ou fazendo postagens com a hashtag.

Não apenas empresas, mas inúmeras pessoas também compartilharam a imagem do quadro preto com a indicação. No Brasil, mais uma discussão surgiu acerca do posicionamento de muitos que nunca se manifestaram contra o racismo, em nenhuma morte de jovens e crianças nas mãos de policiais, nem mesmo quando fomos impactados quando a ex-deputada Marielle Franco foi vítima de um assassinato político.

Essa agitação nas redes com as postagens em conjunto de outras hashtags como #BlackLivesMetter ou #VidasNegrasImportam passaram a se sobrepor sobre as informações importantes das manifestações ou conteúdos relevantes para o momento. Agora, passadas algumas semanas do ocorrido, as mesmas pessoas que fizeram as postagens estão em silêncio enquanto novas vidas se perdem pelo país.

Como agir?

Arte de Wynton Redmond

Parte desse movimento é também dar visibilidade a pessoas negras que não ganham tanto destaque como seus pares brancos.

Não adianta postar algumas frases em redes sociais e não ouvir quando um negro fala de racismo. Inclusive, importante pontuar que pessoas negras não falam apenas sobre racismo, certo? Estão em todas as áreas profissionais possíveis e, especificamente na comunicação (minha área de atuação), podem falar sobre tudo: esportes, cultura pop, arquitetura, moda, economia, educação etc.

Mais uma nota importantíssima dentre as várias citadas acima: esse posicionamento necessita de vivência, de persistência e observação. É hipocrisia se dizer antirracista, bater no peito para se dizer livre de preconceitos e não se questionar quanto a presença de negros e pessoas multiétnicas nas empresas, em cargos de liderança, nos comerciais, no circulo de amizades, nos filmes, séries, livros e músicas que consome. Não adianta continuar na conformidade da sua bolha se essas questões não entram em pauta da sua rotina. Se abster e não se indignar com as mortes de corpos negros, de jovens, crianças pelas mãos do Estado não é ser antirracista. As atitudes elencadas aqui são o mínimo para alguém que quer entender e ser aliado nessa luta.

Então, é preciso usar todos os recursos ao dispor para exaltar profissionais, peitar marcas e empresas que não se posicionam e usar qualquer tipo de palco pessoal ou profissional para que vozes negras sejam ouvidas por elas mesmas. E mais: não apenas em momentos como esse ou em novembro, no mês da consciência negra. Essa luta é diária.

A educação, o conhecimento e a pesquisa são essenciais neste momento. O comprometimento é o que vai ditar a permanência e a veracidade de quem se diz aliado. Como pode-se ver constantemente em alguma rolagem na timeline, muito do que se diz aqui e ali é fruto liquido de um discurso de conveniência.

Thais Araújo em um vídeo nas suas redes sociais afirma:

“Se você se diz antirracista é importante que você saiba que você vai ter que ser firme, vai ter que ter coragem e que você tem muito trabalho pela frente.”

John Boyega, o primeiro protagonista negro da franquia Star Wars fez um discurso durante um dos protestos:

“Este é um momento em que somos uma representação física da nossa mentalidade, de nossa ideia compartilhada de que vidas negras importam. Nós temos direito a uma vida balanceada e saudável. Somos uma representação física de nossa unidade e é muito importante neste momento que nós estejamos juntos em mente, espírito e corpo. Hoje é sobre pessoas inocentes que estavam no meio de seu processo, nós não sabemos o que George Floyd poderia ter conquistado”.

Todas as pessoas negras aqui se lembram de quando uma pessoa te lembrou de que você era negro. Eu preciso que vocês entendam quão doloroso isso é. Preciso que vocês entendam quão doloroso é ser lembrado todos os dias de que sua raça não significa nada”.

Alguns influenciadores digitais, pesquisadores e teóricos sobre comunicação, cultura e raça para acompanhar:

  • Winnie Bueno é pesquisadora, ativista dos movimentos sociais negro e feminista, pós graduanda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Direito pela UFPel e faz parte da Rede de Ciberativistas Negras. Tem um projeto de doação de livros que “conectam pessoas através de livros para promover a mudança contra o racismo”: https://twitter.com/winniebueno
  • Ale Santos é jornalista e um dos grandes pesquisadores sobre a história racial do Brasil, escreve para a Vice Brasil, é autor do livro Rastros de Resistência e também tem o podcast Infiltrados no Cast: https://twitter.com/Savagefiction
  • Andreza Delgado é influenciadora digital que fala sobre cultura pop e raça, é criadora do Gamer Perifa e também é uma das fundadoras do PerifaCon: https://twitter.com/andrezadelgado
  • Tarcizio Siva é Pesquisador, Doutorando em Ciências Humanas e Sociais, Mestre em Comunicação e professor: https://twitter.com/tarciziosilva
  • Cecíllia Olliveira é jornalista e editora do The Intercept Brasil: https://twitter.com/Cecillia
  • Tais Oliveira é RP, Mestre e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais na UFABC, além de trabalhar com Métricas e BI numa ONG de educação:https://twitter.com/tais_so

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Eu sou Diego Souza Carlos, um jornalista cultural apaixonado por boas histórias, música, cinema e kare.

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Diego Souza Carlos

Jornalista cultural, criador de conteúdo e social media. Pós-graduando no CELACC/USP. Escrevo sobre cultura pop e estou sempre em busca de novas histórias.