O poder narrativo e imersivo de The Last Of Us Part II
Game é um dos últimos exclusivos do Playstation 4
Aguardado, ansiado e fonte de intensas polêmicas, The Last Of Us Parte II veio ao mundo em junho de 2020. A continuação da história de Ellie e Joel surge em um momento conturbado em que é possível fazer várias ligações do mundo real com o contexto em que os personagens vivem.
Como foi lançado no fim do primeiro semestre do ano, a pandemia do novo coronavírus já fazia vítimas em todos os continentes e testava a capacidade política e administrativa de governos mundo a fora. Mesmo com suas diferenças, existem sintomas que andam juntos entre a ficção e a realidade conforme dito no texto sobre jogar o primeiro game nesse momento. O fato de termos uma doença letal e sem cura no mundo é uma delas (calma, a vacina vem!). Outro ponto é o impacto histórico, psicológico e até potencialmente paradigmático com o mundo antes das pandemias.
Além dos paralelos levantados com a atual condição global, a segunda parte dessa história veio com diversas polêmicas. A principal é o protagonismo de uma mulher lésbica na sequência de uma das principais franquias da PlayStation Studios. Não apenas o fator inicial, mas também as inserções feitas na história que contam com o maior medo de grande parte da comunidade gamer: a representatividade e diversidade, ou como eles mesmos dizem, a “lacração”.
Essas escolhas de Neil Druckmann e equipe foram responsáveis por cutucar essa maioria tóxica a realizar petições e ações contra o game. Fora os ataques nas redes sociais, os jogadores foram aos montes registrar críticas zeradas em sites que fazem a média da recepção de jornalistas e público. Agora, meses depois do lançamento, vale dizer que alguns cães ladram, mas realmente não mordem (só os do jogo): até julho The Last Of Us Parte II era considerado o maior lançamento do ano em alguns países, além de ser o jogo mais vendido da empresa aqui no Brasil, pelo menos até o início de agosto.
Vale dizer também que seria cômico se não fosse triste o fato de que os questionamentos sobre o jogo sejam problematizando a inclusão e a diversidade, visto que a violência experienciada no primeiro ganha uma escala absurdamente maior, ampliação feita de forma bela no sentido dos avanços gráficos e tecnológicos, crua e realística no sentido de jogabilidade.
Gameplay
Além do desenvolvimento visual, o som, que é parte essencial da franquia, também teve seus updates. Agora, ao correr ouvimos Ellie ofegar. Matar alguém furtivamente tem seus efeitos de som melhorados, ouve-se ossos quebrando, tiros perfurando, tudo com muita nitidez se assim podemos dizer. Esfaquear um inimigo e arrastá-lo pela grama se torna algo incrivelmente palpável, mesmo que fluido demais. Assim como Resident Evil 2 Remake, ao atirar nas pessoas com armas mais poderosas os membros dela se repartem, cabeças estouram.
Esse realismo levado para o videogame tem vários aspectos que podem ser pontuados. A violência ganha destaque com essa camada sangrenta e ilustrativa de “maneiras de matar e morrer” e, entenda que os desenvolvedores trabalharam minuciosamente para criar tais ocorrências. Essa escolha em trazer o realismo para o videogame culmina também, alinhado a feições e diálogos polidos do roteiro, em uma completa humanização do personagem.
Há uma aproximação nessas longas horas de jogatina em fazer com que a imersão seja gigantesca. Os paralelos que podem ser criados nesse ponto são bem interessantes, pois sendo um jogo pautado pelo alto nível de fotorrealismo, tem o intuito de simular a realidade. Nessa perfeição de gráficos, sons e movimentos, com respiração, gritos de dor, levantar, correr e deitar, os personagens digitais se aproximam cada vez mais do nosso mundo.
Essa humanização não é exclusiva dos personagens jogáveis. NPCs também ganham certa importância na trama. Ao ser cortado por um machado, uma inimiga pode gritar até a morte; ao ver o amigo morto no chão o NPC pode chorar a perda do colega ou ficar mais furioso na procura de Ellie. Agora, todos eles têm nome. E mesmo que isso não seja um spoiler, dado o modo com a história se desenvolve, é sempre importante olhar ao redor para saber quem integra certos momentos da história.
Toda essa agressividade e novos elementos narrativos não estão ali por acaso. Em entrevista ao site Eurogamer, a designer de gameplay Emilia Schatz cita que a vioência elevada do título é consequência de sua própria história. Ela comenta:
Penso que o ódio e a violência são o objetivo para o jogo, mas existem mais coisas acontecendo na história. A violência é realmente importante para criar um mundo crível. Queremos que todos os personagens e inimigos pareçam pessoas reais e humanas. É por isso que todos eles tem nome. Queremos que você se sinta desconfortável com o nível de violência.
A jogabilidade num todo rememora o que foi visto no original com algumas melhorias. O sistema de construção de kits médicos, bombas e armas permanecem as mesmas com algumas alterações. Além disso, existe uma nova mecânica de stelf: deitar na grama, algo que abre possibilidades de esconderijos durante as batalhas. Há também a dificuldade enorme em lidar com os cães de caça, eles podem te farejar e não é possível se esconder no mesmo lugar por muito tempo. Discussões na internet surgiram sobre quem decidiu matar ou quem poupou a vida dos bichinhos a custo da própria vida no game.
Fora as novidades, o conceito de “não se mexe em time que está ganhando” soa bem quando se pensa nas mecânicas, e não há demérito nisso, já que o mote para ser um forte candidato a Game Of The Year, que terá os candidatos anunciados na próxima semana, está pautada em dois pés: os gráficos e a sua história complexa.
Algo que precisa ser pontuado na produção do jogo são as suas opções de acessibilidade. O jogo veio adaptado para que Pessoas com Deficiência (PCDs) pudessem curtir essa experiência da melhor forma. Então, além da audiodescrição e legendas, que alguns jogos anteriores já tinham, o game conta com alto contraste, sistema diferente de cores (para daltônicos), mapeamento de botões, assistência de navegação, sinais de áudio, entre outros elementos. Segundo o site Dager System, que monitora o nível de inclusão de jogos para esse público, o título não possui barreiras para pessoas que possuem deficiência visual, motora ou auditiva.
História
The Last Of Us Parte II se passa anos após os acontecimentos finais do primeiro game. Ellie, agora no fim de sua adolescência e no início da vida adulta, tem certa independência de Joel e uma fama de durona na cidade de Jackson. Após alguns acontecimentos, a garota parte em uma jornada com Dina, sua amiga e interesse amoroso, em busca de vingança.
Velhos personagens surgem, novos são apresentados e toda aquela ambientação vista no primeiro game ganha novas molduras. As cidades destruídas, a invasão do verde, florestas, prédios devastados e lugares abandonados, tudo está lá, mas agora com um apelo gráfico dificilmente visto nessa geração de consoles que está perto do fim. As gotas de chuva são visíveis, o balanço das árvores, mudança sutil de expressão das personagens e a transição quase imperceptível de gameplay com cutscene são alguns dos elementos que vão deixar qualquer jogador encantado.
Sem apresentar spoilers, é possível dizer que a sequência insere elementos narrativos que deixarão a jogatina extremamente densa e até mesmo reflexiva. Não há mais uma perspectiva unilateral. Ellie está com sede de vingança, mas ela não é a única. Nessa sequência somos apresentados a Abby, uma personagem que cresce gradualmente ao longo da trama e se torna controlável em certo ponto. O seu surgimento é a essência da dicotomia proposta pelo roteiro, muitos vão se afeiçoar com seu jeito durão de coração mole, outros podem não entender suas sutilizas.
Em diversos livros, filmes e séries já trabalharam com o contraponto de duas perspectivas para criar tensão, fazer emergir um suspense e mexer com expectativas. Aqui, criam-se laços com as duas personagens jogáveis e surge uma polarização sobre quem está certa, quem deve vencer ou viver. Assim como alguns elementos narrativos do primeiro jogo, o modo como se conta a história aqui não é novo. Entretanto, com o realismo gráfico e a imersão proposta por uma mídia essencialmente participativa, o videogame, essa dualidade de perspectivas ganha uma nova camada.
Se dissesse que jogar The Last Of Us Parte II é algo tranquilo, seria uma mentira. Isso não se deve apenas pela tensão de se colocar no papel de pessoas vivendo em um mundo perigoso e distópico, mas também pela escolha das personagens que somos “obrigados” a seguir. Há muita dor, revolta, compreensão envolvida. Quem se aventurar vai ser apresentado a um festival de sentimentos e muita angústia.
Tudo isso passa das personagens para o jogador, uma decisão narrativa fantástica que utiliza muito bem as propriedades que um jogo de videogame pode oferecer. Com toda certeza, ao final das quase 30h de jogatina, o jogador, além de cansado emocionalmente, vai querer debater sobre os rumos que a trama apresenta. E isso é fantástico. É como se as decisões morais ou as atitudes inescrupulosas tomadas no jogo não se atesem apenas ao mundo digital, mas vazassem para discussões acaloradas sobre quem está certo sobre o que.
No final, como já dito antes, é uma história de vingança, de ódio, de muita violência, mas também de amor. Sobretudo, além dos sentimentos, o poder das escolhas sobre nossas vidas, que invariavelmente recaem sobre nossos ombros. Certas atitudes podem não valer a pena e, às vezes, pode ser tarde demais para voltar atrás.
The Last of Us Part II está disponível para Playstation 4 em formatos físico e digital. Confira o trailer do game:
Eu sou Diego Souza Carlos, um jornalista cultural apaixonado por boas histórias, música, cinema e kare.
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