Esteriótipos étnicos da cultura pop — Parte I: A problemática racial de Uncharted

Diego Souza Carlos
6 min readApr 20, 2020

--

Jogo exclusivo da Sony tem constância étnica questionável em seus antagonistas

Uncharted é um dos principais jogos exclusivos da Playstation. Com o seu primeiro capítulo lançado para PS3 em 2007, ganhou um forte destaque para a Sony por reunir elementos de Tomb Raider e Indiana Jones alinhados a mecânicas de jogabilidade da época.

A franquia evoluiu a ponto de ter quatro jogos principais, o último para PS4, e uma DLC que pela alta qualidade se tornou um spin-off, um jogo completo, o primeiro com protagonistas diferentes da linha principal, além de serem mulheres — os outros tem o bonitão Natan Drake controlado pelo jogador.

Aproveitando: esse derivado incrível, chama-se Uncharted: Lost Legacy. Recomendo!

Play At Home

Em dezembro de 2019 foi lançado no serviço online da Playstation, a PS PLUS, o Uncharted: The Nathan Drake Collection, um pack que reunia os três primeiros jogos remasterizados. Estava muito ansioso para conhecê-los e como assinante pude pegar os três de uma vez só, “de graça”. Aliás, agora durante a quarentena o jogo está disponível para não assinantes também, ação da marca durante a pandemia: Play At Home.

A história da trilogia é um tanto rasa e superficial, até repetitiva em suas estruturas, mas funciona na proposta da jogabilidade: um caçador de recompensas com certo nível de ética e uma perspicácia única para desvendar segredos viaja o mundo atrás de tesouros. Conta com um ou mais amigos que estejam interessados na mesma pista e esbarra em valentões que tem o mesmo objetivo, dando início a uma corrida pelo ouro, artefato ou substância. Nos três jogos essa é a premissa.

Me diverti muito na pele de Natan Drake, descobrindo mundos inexplorados, paisagens e países. Até aí tudo bem. Mas chegando ao final do primeiro game me deparei com algo que me incomodou muito e só percebi perto da conclusão: a maioria dos inimigos descartáveis apresentados na história de Uncharted: Drake’s Fortune, o primeiro, são negros ou latinos, raramente brancos. Digo descartáveis, pois são o tipo de obstáculo incluso nas partidas, em início ou fim de “fase”. Os que estão nas batalhas e tiroteios, não necessariamente fazem parte da narrativa principal. Se os outros personagens tem uma apresentação rasa, esses estão ali apenas para serem eliminados.

Mesmo que o grande vilão, o cabeça por trás dos capangas, seja caucasiano, a maioria dos bandidos que foram mortos nos recorrentes tiroteios no percurso da história tinham a pele escura. Inclusive um deles é mostrado como um completo imbecil e burro nesse jogo, o único personagem negro que tem um algum desenvolvimento (o cara da foto acima). Fiquei com o pé atrás, mas segui para a sequência, podia ser uma coincidência. Mas não era.

No segundo jogo há uma diversidade maior de inimigos da turma dos caras maus, mas a questão do primeiro se repete. Até que aparecem outros antagonistas e aí a coisa só se confirma em um ponto: (spoiler alert) na terceira parte do jogo Drake e seus amigos conseguem descobrir uma cidade perdida. Eles estão atrás da Pedra Cintamani, que dá poderes inimagináveis a quem apossuir (ou ingerir uma substância derivada dela, não fica muito claro). Acontece que nessa descoberta, “selvagens” protetores do local os atacam. São protetores da cidade sagrada.

Esses novos personagens tem traços mistos e pele escura, são os guardiões de Shambala. Não consegui distinguir qual seria a sua etnia, mas por ficar próximo ao Himalaia provavelmente seriam asiáticos. De qualquer forma, representam o vilão e mais uma vez não são brancos. Alguns até dizem que esses personagens são zumbis, mas é algo que fica meio aberto. Nessa discussão dá pra ir até um pouco além em como algumas culturas, no caso a norte-americana, normalizam o colonialismo em seus produtos culturais. Os brasileiros conhecem muito bem esse conceito. Mas fica para outro texto.

Só para citar e completar o arco dos três jogos, o terceiro não repete necessariamente essa fórmula. A maioria dos inimigos de batalha é branca, mas não o tempo todo. Aqui, temos árabes sendo atingidos pelos mocinhos (nem tanto) numa corrida por outra cidade secreta (sim, roteiristas preguiçosos).

Em termos de conhecimento de outras culturas os jogos são detalhados e normalmente tem respeito ao que apresentam. O visual é bem cuidado e dão um background histórico sobre os lugares visitados. Um contraste com as escolhas étnicas para representação dos inimigos.

Não estou dizendo que o papel de vilania seja sempre para esse tipo de personagem, não. Observo aqui como indivíduos não brancos são representados na franquia. Nos jogos sempre há alguém que comanda a organização criminosa e esses sim são brancos, inteligentes, estratégicos, com um passado. Diferente dos demais, não são descartáveis, são parte essencial na trama.

Nem estou dizendo que os jogos são ruins. São divertidos, bem feitos e cumprem seu propósito como experiência de jogatina. Não fosse esse aspecto problemático racial ou as histórias superficiais, eles poderia ser bem mais profundos. O que o quarto jogo, que ainda não joguei, pode ter aprendido com outros games como The Last Of Us e a trilogia de reboot de Tomb Raider que são famosos sobretudo pela profundidade de suas narrativas. Inclusive, se não leu meu texto sobre Shadow Of Tomb Raider, clique aqui.

Uncharted e representações raciais na cultura pop

Uncharted repete o mesmo caminho tomado por outros tipos de mídia. O jogo em si é extremamente hollywoodiano tendo filmes de ação como fonte e o velho discurso do branco herói, o salvador. Citei que muitos dos inimigos apresentados nos jogos tem pele escura, sejam negros, latinos, árabes, entre outros. É claro que não são todos que tem exclusivamente essa característica, mas é bom pontuar como o jogo subjuga as raças, utilizadas aqui geralmente para o abate. Quando fazem parte da história ou são pouco desenvolvidos e estereotipados ou são apenas uma muleta para o protagonista.

Esse tipo de representação racial rasa ou negativa é muito comum na cultura ocidental. Nisso, três pontos convergem nessa abordagem de representação: a ausência, a estereotipação e a superficialidade. Óbvio que existem outros aspectos, mas vamos nos ater a esses três, dos quais falarei um pouco mais na Parte II deste texto.

Eu sou Diego Souza Carlos, um jornalista cultural apaixonado por boas histórias, música e kare.

Curtiu o texto? Dê a ele de 1 a 50 aplausos clicando nas mãozinhas ao final do texto. Quanto mais “claps”, maior o destaque dessa produção. Se quiser incentivar a produção cultural pode compartilhar com seus amigos também.

Comentários, dúvidas e o diálogo são sempre bem-vindos! Pode me encontrar no Twitter (cuidado, rs) através do meu perfil.

--

--

Diego Souza Carlos
Diego Souza Carlos

Written by Diego Souza Carlos

Jornalista cultural, criador de conteúdo e social media. Pós-graduando no CELACC/USP. Escrevo sobre cultura pop e estou sempre em busca de novas histórias.

No responses yet