A delicada fábula de A Caminho da Lua

Diego Souza Carlos
5 min readNov 3, 2020

--

Animação da Netflix já está disponível

Imagem: Netflix

Quando se pensa em longas animados, os nomes Pixar e Disney invariavelmente surgem em nossa mente. Não à toa, as empresas são responsáveis por projetar a régua do que se entende como uma animação hoje. Desde os filmes 2D no início da Walt Disney até a quarta sequência de Toy Story, poucas empresas realizam trabalhos tão notáveis quanto elas. Entretanto, isso não quer dizer que outros tipo de animação e novas histórias não estão sendo contadas fora destes universos. A Caminho da Lua, uma produção Netflix/Pearl Studio, é um filme que bebe da fonte de tudo que veio da história das animações, mas consegue entregar algo original, sem deixar de ser envolvente, delicado e sensível.

Utilizando a fábula da Princesa da Lua como fio condutor, acompanhamos a história de Fei Fei, uma garota extrovertida que tem a sua família como pilar e exemplo. A partir de uma relação muito saudável com seus pais, ajuda nos negócios da família com a confecção e venda de bolinhos da lua. A forte ligação com o conto de Chang’e vem das noites em família, em que a mãe de Fei Fei, a pedido da filha, reconta a história recheada de detalhes. A garota se apega a essa lenda chinesa como uma das principais heranças sentimentais com a mãe, que falece quando a garota ainda é pequena. Anos depois, com medo de mudanças em sua família, ela parte para uma aventura a fim de provar que a princesa Chang’e realmente existe e assim decide visitar o lado mais escuro da lua.

Imagem: Netflix

Ao falar dos paralelos entre A Caminho da Lua e os filmes animados das empresas citadas no início do texto, é quase certo de que existem semelhanças na fórmula. O filme conta com uma trilha sonora ativa durante toda a produção, é quase um musical como vemos em A Bela e a Fera, Mulan e Cinderela, por exemplo. Mesmo tendo seus momentos assertivos para tais cantorias, é possível dizer que em um momento ou outro, não havia necessidade. De qualquer forma, não é algo que estraga a experiência. Além disso, a animação 3D não é o único estilo apresentado. Logo no início temos um trecho em 2D que referencia o conto principal, que dá origem para a Princesa da Lua. Em entrevista ao Omelete, o diretor Glen Keane, um gigante da indústria que trabalhou com A Pequena Sereie, Aladin, Tarzan, entre outros, conta:

“Era também sobre representar a maneira como a cultura chinesa vê sua deusa Chang’e. Sentia que precisava mergulhar nisso. Então estava bem ciente sobre como Chang’e era representada na cultura chinesa. Olhei para tantas artes antigas, o jeito como ela se movia era um reflexo do tecido voando atrás dela. Achei fascinante. Copiei e desenhei muito com base em artes antigas chinesas.“

Algo que pode-se notar em toda a aventura é que, apesar de ter diversos elementos fantástiscos e mágicos no decorrer do filme, Fei Fei é uma jovem cientista. Ir para a lua é uma missão que determina estudo, preparo e, claro, um foguete potente. Distanciando-se de algumas situações vistas em outras produções do gênero, a protagonista não tem um interesse romântico, o amor tratado ao decorrer dos 100 minutos é múltiplo. Há muito mais afetividade e fraternidade. Inclusive, a sensibilidade e mensagens levantadas podem mostrar o quão “maduros” são alguns temas. Não é o primeiro filme infantil que trata sobre o luto, mas com certeza ficará marcado na memória de muitos na maneira como entrega humanidade, verdade e positividade sobre a vida após a perda, sobre seguir em frente e olhar para as pessoas que estão a nossa volta.

Tais temáticas emocionais e dolorosas podem ser difícieis de serem abordadas em um filme para o público intantil. O diretor, em entrevista ao Splash/UOL, comenta:

“Crianças não são imunes à tristeza e à dor. Nós tratamos isso como “assunto de adultos”, mas crianças precisam lidar com a morte de um pai, um divórcio ou o mundo virando de cabeça para baixo nessa pandemia”

Tratar sobre formas de se lidar com a morte de alguém que se ama é um trabalho difícil, mas totalmente respeitoso e sensível pela produção da animação. Mesmo sem saber o fundo de cena sobre algumas decisões de roteiro e o produto final, muitos irão usar muitos lenços. Acontece que a roteirista Audrey Wells escreveu o filme enquanto lutava contra um câncer. Ela faleceu em 2018, deixando a história como uma herança afetiva para sua filha.

A Caminho para a Lua é uma reformulação na forma de realizar longas animados, como também uma homenagem a cultura chinesa. O trabalho de design dos personagens é detalhado e respeita os traços étnicos de cada um. Para uma produção realizada para lançamento direto no streaming, tem a potência de ser apresentada em telonas de cinema sem nenhuma dificuldade. O roteiro é bem escrito, os personagens são cativantes e não há escolhas ruins quanto ao tempo utilizado de tela. Nada é corrido demais, pois há simplicidade. Uma excelente escolha para tocar o coração e reafirmar em um tempo tão delicado que a família é um dos elos mais importantes de uma vida.

Eu sou Diego Souza Carlos, um jornalista cultural apaixonado por boas histórias, música, cinema e kare.

Curtiu o texto? Dê a ele de 1 a 50 aplausos clicando nas mãozinhas ao final do texto. Quanto mais “claps”, maior o destaque. Se quiser incentivar a produção cultural pode compartilhar com seus amigos também.

Comentários, dúvidas e o diálogo são sempre bem-vindos!

--

--

Diego Souza Carlos

Jornalista cultural, criador de conteúdo e social media. Pós-graduando no CELACC/USP. Escrevo sobre cultura pop e estou sempre em busca de novas histórias.